“A Verdade Sobre a Nostalgia” (2024) é um recorte da produção de Renato Gosling sobre o imaginário de um Brasil possível. Com referência na pop art, Renato se apropria de objetos, promovendo um deslocamento poético onde evoca tanto memórias afetivas — de infância, da escola, da casa, da rua — enquanto propõe uma reflexão crítica sobre a nostalgia.
Ao entrar na sala, o espectador se depara com séries de obras em que o artista se apropria de objetos e imagens, furtando-lhes o significado original e usando de traquinagens, como maquiar bois e lhes dar colares de doces, ou criar cenas com fósforos animados — o que alivia o ar com certa espirituosidade. Por meio de nossos sentidos, intercalamos pensamentos agridoces, sem cair em pessimismos diante de problemas complexos.
¹ SEIXAS, Raul. A Verdade Sobre a Nostalgia. Rio de Janeiro: Philips Records, 1975.
Três-Oitão, 2021
Acrílico, pistola de airsoft e bala de fuzil em fundição
30 × 30 × 2 cm
Na série Giz, por exemplo, Renato evoca discussões plásticas e formais em um experimentalismo intuitivo do artista e do visitante, mas também nos leva para dentro de salas de aula que ainda se utilizam deste material — o que reflete certa precariedade em meio à era de novas tecnologias de comunicação. Contudo, não há banalização ou ataque, visto que o objeto riscável cumpre seu papel.
Seja como tecnologia antiga de comunicação ou como meio lúdico nas mãos das crianças, o giz está intimamente conectado com diversas gerações ainda hoje. Ao expor essa materialidade — o conhecido “giz de lousa”, ou mesmo “giz de professor” —, o material riscável (hoje feito em grande parte de gesso, mas que já foi de giz natural e remonta ao uso do calcário por romanos e egípcios) é mais do que uma tecnologia que remete ao ensino. O giz é um símbolo de algo que facilita a comunicação entre iguais e, mais ainda, entre distintas civilizações.
Se quisermos ir ainda mais longe, o ato de riscar paredes pode nos levar às primeiras comunidades humanas. No entanto, nas obras de Renato, o giz se torna superfície, contradizendo seu uso comum. O que antes riscava passa a ser textura, cor e volume.
Nos quadros, é possível notar a influência do minimalismo e do abstracionismo geométrico. Todavia, são nas pequenas imperfeições não premeditadas que o material ganha vida. Renato incorpora essa “briga”, mantendo os resquícios de cor quando colados e arrancados, ou nas curvas que se insinuam devido à falsa impressão de que produtos industrializados são idênticos. Aqui, cabe uma reflexão sobre o paradigma da filosofia da diferença.
A mostra traz duas obras da série com os fósforos, dois objetos de chão (Gude e Peões), que, junto com os Skates, nos possibilitam uma reflexão sobre a brincadeira: por que paramos de brincar? Emoldurados ou vistos como esculturas, perdem o significado de meras brincadeiras para ganharem o status de retrato de uma época — idealizada para alguns, imaginada para outros, inexistente para muitos.
Educação, 2021
Giz, tela e cadeiras
207 × 40 × 6 cm
Ainda solto no espaço, o jogo de amarelinha feito com lentes de semáforos obsoletos age com dupla significância: as cores indicam o momento em que se pode ou não andar, bem como os momentos em que devemos ter atenção — algo tipicamente adulto. Mas a forma da brincadeira infantil nos deixa tentados a desafiar o sistema e pular metaforicamente de uma “casa” para outra em um pé só, testando nosso equilíbrio com o único propósito de chegar até o final e retornar sem “pisar na linha”. Um aprendizado também de amadurecimento.
Pensar e repensar as figuras que compõem a identidade brasileira é parte do conteúdo-chave do trabalho de Renato e desta exposição. Mas é em Memórias Impressas que isso ganha maior literalidade. Figuras como Simonal, Rita Lee, Vinícius, Tom e Tim Maia — ícones da Música Popular Brasileira — dividem o espaço, não à toa, com Andy Warhol e Basquiat — ícones da Pop Art — com suas já clássicas luvas de boxe. Mas, nessa “briga”, não há violência: entre o Pop e o Popular, quem ganha é o público que pensa.
A reflexão iconológica, a despeito do carinho pela lembrança, também pode evocar questões de identificação e subjetividades que formam nossos eus.
Fechando as séries apresentadas estão os Orbeez, que com sua explosão de cores mostram uma faceta mais abstrata de Gosling. Servem também como chamado à atenção — mas, diferente do semáforo, estão mais para aspectos de calmaria em meio ao caos imagético contemporâneo.
Toda a mostra caminha na ambiguidade, deslocando o espectador dos lugares confortáveis da memória, identificando-os de modo nostálgico e se aproveitando disso para provocar reflexões sobre o que há de ilusório nessas lembranças.
Seria, assim, o passado algo tão bonito? E, em se tratando do cotidiano, o presente está sendo belo? Ou se tornará belo apenas quando passar ao terreno da memória?
Qual é, afinal de contas, a verdade sobre a nostalgia?